O Estado do Rio Grande Sul vem passando pela maior tragédia climática já vista no Brasil. As proporções deste desastre são fora de qualquer dimensão já imaginada. Vidas foram perdidas, casas destruídas completa ou parcialmente, lavouras e parrerais atingidos por completo, danos ambientais catastóficos, dentre outros.
Em números atuais, tem-se mais de 140 pessoas mortas, inúmeros animais mortos, aproximadamente, 125 pessoas contabilizadas como desaparecidas, mais de 1 milhão e 400 pessoas atingidas direta ou indiretamente por esse evento climático.
Não há como não se assustar e solidarizar com o que acontece naquele Estado. O cenário de guerra e a ajuda que vem sendo feita pelos órgãos e corporações oficiais, por ONGs e até por civis, é de se sensibilizar e agradecer.
Mas e quando a tragédia climática passar? Como será o recomeço? Estamos preparados para o recomeço? A economia está preparada? O Estado Brasileiro está ciente dos valores que precisará aportar para a reconstrução de tudo que foi perdido? E o mercado segurador está pronto para regular e com seus ativos financeiros estáveis para pagar todos os sinistro que surgiram ou surgirão?
No que se refere ao mercado segurador, é óbvio que nenhuma probabilidade ou cálculo atuarial teria sido capaz de projetar um dano climático tão avassaldor como o que está sendo observado, todavia, será nesse momento que o mercado segurador terá que mostrar sua força e sua contratual função social, intensificando seu foco na capacidade e prontidão do setor para reagir como redes de segurança financeira da sociedade quando ela mais precisa.
No ano de 2022 alguns setores do mercado de seguro sofreram grandes impactos financeiros devido a seca que acometeu também o Estado do Rio Grande do Sul. No entanto, não deve se comparar em termos financeiros e de ramos de seguros que serão afetados na catátrofe ora ocorrida.
Ainda, é de se destacar que o ano de 2023 foi bem desafiador para o mercado de seguros, porém, segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), o mercado de seguros atingiu um crescimento superior a 9% em relação ao ano anterior, correspondendo a algo em torno de 6% do PIB, além de ter arrecado mais de R$ 380 bilhões de reais em prêmios e indenizado algo em torno de R$ 221,63 bilhões aos segurados.
A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) estimava, ao final do ano de 2023, um crescimento de 11,7% do setor segurador para 2024. Ocorre, entretanto, que diante da catástrofe ocorrida não há mais como precisar o crescimento neste percentual para o ano atual.
Em uma análise surpéflua já consegue-se observar que seguros de danos como automóveis, habitacional, residencial, rural, aeronáutico, empresarial e até os de concessões públicas, serão alvo de inúmeros avisos de sinitros para a posterior indenizações, o que também acontecerá para o seguro de pessoas, haja vista as mortes, as possíveis invalidez, as diárias de afastamento, etc.
Estima-se que o valor das indenizações securitárias pode-se chegar a algo em torno de 40 bilhões de reais só decorrente desse desastre. Evidente que tal quantia impacta e muito no mercado de seguros, ainda mais considerando que a regra de pagamento das indenizações deve ser em torno de 30 dias após os avisos de sinistros, portanto, montante alto de valores serão despendidos rapidamente.
O que pode acalmar a sociedade, neste momento, é saber que a saúde financeira das seguradoras é acompanhada bem de perto pelo seu orgão fiscalizador (Susep), pelo que resta claro que todas elas estarão aptas para cobrir os sinistros por ventura existentes.
Do mesmo modo, sabe-se que as seguradoras também contratam seus resseguros e com estes pulverizam seus riscos. Assim como também o fazem ao colocar seus produtos a venda em todo território nacional, o que geograficamente balaceia os tipos de risco assumidos pelo mercado e suas fontes de recebimento de prêmio.
Em contrapartida, das tragédias também devem ser vistas oportunidades e contextos de crescimento. Sabe-se que apenas algo em torno de 30% da população possui algum tipo de seguro contratado. Isso significa dizer que há uma parcela de 70% da população que pode ser vista como potenciais clientes/consumidores, portanto, há um mercado imenso a desenvolver.
Assim, imagina-se que as pessoas que não detinham nenhum tipo de seguro agora observarão as que detém sendo indenizadas e podendo recomeçar com mais facilidade do que elas. Ou seja, será uma grande oportunidade de que hajam novas contratações de seguro, já que quem passou por uma situação como essa vai querer também sentir a segurança de poder recomeçar caso qualquer outra tragédia venha acontecer e quem não passou, mas está “assistindo” toda essa catástrofe e refletindo se um dia ocorrer consigo, também vai querer ter um seguro contratado.
Eventos extremos de desastres naturais são fatores cada vez mais frequentes e podem ocasionar, por consequência, no aumento da demanda por contratação de serviços que cubram esses riscos e danos.
Para tanto, o mercado segurador precisará incentivar o acesso ao seguro, a democratização da proteção em todo o território nacional, a mudança de comportamento da população com uma conscientização crescente sobre a importância dos diferentes tipos de seguros e de que o seguro é um item de necessidade, de segurança nas adversidades, e não de luxo.
Por Luciana Godoy: Advogada inscrita na OAB – Membro da Comissão de Direito Securitário da OAB/PE de 2011 a 2015 e da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguros. Atua nas áreas de Direito Securitário, Consumerista e Cível, com larga experiência em contencioso de volume e processos estratégicos.