ARTIGO | Superdotação na vida adulta: por que identificar?

por: Redação

Falar em superdotação ainda desperta, no imaginário social, imagens de crianças que se destacam na escola ou acumulam prêmios em olimpíadas científicas. Mas a superdotação não é uma etapa da infância nem uma medalha de desempenho acadêmico: é um modo atípico de funcionamento cognitivo, sustentado por diferenças estruturais e funcionais no cérebro que se mantêm por toda a vida. Identificar essa condição na vida adulta não é luxo, nem vaidade intelectual. É, antes de tudo, uma questão de saúde mental, de pertencimento e de desenvolvimento humano.

A mente superdotada não opera apenas pela quantidade de informações que acumula ou pela rapidez com que aprende. Seu diferencial está na forma como organiza significados: constrói redes associativas densas, cruza conceitos improváveis, enxerga padrões invisíveis. Se a cognição típica vê o mapa, a cognição superdotada busca entender a lógica da cartografia. Esse estilo mental, porém, não vem sem custos: a intensidade de pensamento e de sensibilidade pode gerar tanto inovação quanto exaustão.

Infelizmente, persistem mitos que atrapalham o reconhecimento da superdotação adulta. Muitos acreditam que, se a pessoa não brilhou na escola, não pode ser superdotada. Ou que a superdotação “some” depois da adolescência. Outros reduzem a questão a um QI elevado ou a consideram um privilégio elitista. Essas crenças não apenas distorcem o fenômeno, mas também impedem que milhares de adultos compreendam as próprias singularidades cognitivas e emocionais.

Na prática, a falta de identificação cobra um preço alto. É comum encontrar adultos superdotados em rotinas profissionais sufocantes, presos ao subemprego ou em constante rotatividade no mercado de trabalho pela dificuldade em se adaptar a estruturas rígidas. A oscilação entre picos de performance e tédio crônico desgasta a autoestima. Nas relações, muitos relatam sentir-se “demais” – intensos, rápidos, desconfortáveis no compasso alheio. E, no campo da saúde mental, não são raros os quadros de ansiedade, perfeccionismo extremo e burnout.

Reconhecer a superdotação, portanto, não significa etiquetar ou hierarquizar. Significa oferecer a chance de autoconhecimento e validação. Os caminhos existem: entrevistas clínicas, análise do histórico de vida, avaliação psicométrica conduzida por profissionais habilitados e, sobretudo, uma devolutiva psicoeducativa que traduza esse diagnóstico em estratégias práticas para a vida.

Adultos superdotados não precisam apenas de um rótulo; precisam de linguagem para nomear sua diferença, de ferramentas para lidar com a intensidade de sua mente e de espaço para transformar potência em realização. Identificar é cuidar, é ressignificar trajetórias que muitas vezes foram marcadas por inadequação e invisibilidade.

Geórgia Menezes, Neuropsicóloga, Mestre, Doutoranda em psicologia pela UFPE, sócia do IAN – Instituto Harmonia e Neurodiversidade

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