Você já ouviu falar em Transtorno do Déficit de Natureza?

por: André Vita

Diante de um mundo cheio de “patologizações”, parece até covardia achar mais alguma coisa para ampliar esse mosaico de síndromes, transtornos etc. Mas vamos por partes. À medida que a população cresce, a maioria é atraída pelos centros urbanos, cidades com maior concentração demográfica, onde as pessoas moram em casas ou apartamentos cada vez menores, e cada vez ficam mais confinadas. Perdemos os quintais, as portas diminuíram, as janelas cresceram, mas nem olhamos muito por elas, pois passamos a olhar o mundo por meio de pequenas janelas, as dos aparelhos de celular e demais dispositivos digitais.

O Impacto dos Ambientes Urbanos

Crianças e adultos passaram a frequentar shoppings, e os ambientes destinados às brincadeiras agora são climatizados e estão cada vez mais cheios de gramas sintéticas. Os parques ao ar livre estão sendo concretados e transitar em áreas verdes e abertas passou a ser considerado um risco à segurança de crianças e adultos. Então, onde estaria o real perigo dessa mudança de comportamento social?

O Conceito de Transtorno do Déficit de Natureza

Richard Louv, jornalista e escritor norte-americano, que investiga a relação das crianças com o mundo natural em contextos atuais e históricos, criou o termo Transtorno do Déficit de Natureza para descrever possíveis consequências negativas para a saúde individual à medida que as crianças se mudam para ambientes fechados e se afastam do contato físico com o mundo natural.

Consequências da Falta de Contato com a Natureza

No livro ‘A última criança na natureza’, Ed. Aquariana, 2016, Louv relata que essa falta de contato com o ambiente natural causa consequências negativas para a vida, não só de crianças, mas também de adultos e adolescentes. Como consequência desse confinamento, o autor aponta para o desenvolvimento de alergias, depressão, ansiedade, TDAH, obesidade, bem como a falta de criatividade e a redução na capacidade de resolução de problemas. Embora o termo não tenha sido oficializado, ele faz total sentido. E por quê?

A Segurança Dentro de Casa e os Riscos Externos

É muito mais comum achar que nossos filhos estão completamente seguros dentro de casa, diante de uma tela, do que em ambientes abertos. Ignoramos desde os ácaros até as ameaças ao cérebro e, consequentemente, os distúrbios emocionais que esse consumo desmedido dos dispositivos digitais pode causar. Muitos priorizam escolas com ambientes climatizados, com grandes quadras esportivas – que nem sempre todas as crianças usam – ao invés de uma escola que seja aberta e arejada, com gramados, hortas, plantas para observar e ‘cutucar’, e até com uma boa poça de lama para pisar.

A Importância da Inteligência Naturalista

Richard Louv cita o psicólogo cognitivo e educacional Howard Gardner, da universidade de Harvard, conhecido por suas teorias das inteligências múltiplas, entre elas a Inteligência Naturalista, descrita por ele como “a capacidade de identificar, categorizar e manipular elementos do ambiente, objetos, animais ou plantas”. Essas características são geralmente encontradas em crianças que naturalmente gostam de observar os mais variados insetos, colecionam pedrinhas ou até mesmo cuidam das plantas. Geralmente, as escolas tradicionais valorizam apenas a inteligência linguística e a lógico-matemática, sem perceber, no entanto, que nessas explorações aos reinos da natureza muitas descobertas e aprendizagens são realizadas; diferente de escolas participativas, que incentivam o olhar, o tocar, o escutar, o experenciar…

Desenvolvendo Habilidades e Experiências Sensorais

Segundo Gardner, todos nós podemos desenvolver essa habilidade, basta haver oportunidade. Porém, a maioria das escolas tendem a disponibilizar objetos artificiais às crianças, considerando-os mais seguros. Desta forma, deixa-se de estimular a experiência sensorial, esquecendo que é por meio dessa vivência que a aprendizagem se desenvolve. Se percebermos bem, temos uma diversidade de texturas, cores, sabores, temperaturas e formas variadas na natureza. Um pequeno jardim, por exemplo, já opera uma grande transformação na vida das pessoas em qualquer idade. Os estudos comprovam que, além da redução do estresse, um doente se recupera mais rapidamente se estiver em contato físico ou visual com a natureza.

A Pressão da Vida Moderna

À medida que nos afastamos do ambiente natural, adoecemos mente e corpo com mais facilidade. É fato que cada vez mais doenças surgem e que os ambientes fechados se tornam potencialmente mais estressantes, sobretudo quando nos afastamos do essencial, quando vivenciamos a pressa e a ausência de contemplação.

Rita Simone Amado é psicóloga clínica e escolar, neuropsicopedagoga, especialista em desenvolvimento da aprendizagem e coordenadora da Escola Vila Aprendiz.

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