Uma pesquisa divulgada no início de fevereiro pela Organização Mundial de Saúde (OMS) mostrou que o câncer continua a ser um dos principais desafios para a saúde, já que a tendência é de aumento de casos nos próximos anos. Em todo o planeta, cerca de 20 milhões de pessoas foram diagnosticadas com a doença em 2022 e a expectativa é de que esse número ultrapasse os 35 milhões em 30 anos. Além disso, cerca 53,5 milhões de pessoas atualmente estão vivendo com câncer, considerando o período de prevalência da doença no período de cinco anos.
O estudo, chamado GLOBOCAN 2022, foi liderado pela Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer – entidade intergovernamental da Organização Mundial da Saúde (OMS) – e pela Sociedade Norte-Americana de Câncer (ACS) como parte da programação do Dia Mundial do Câncer (04/02). No recorte por países, o levantamento indica que no Brasil foram identificados 627.193 novos casos de câncer. Os tipos mais comuns foram o de próstata, que afeta exclusivamente pessoas do sexo biológico masculino, com 102.519 novos casos (16,3% no total / 32,1% no recorte por gênero), e mama, que atinge em quase sua totalidade apenas mulheres, respondendo por 94.728 novos casos (15,1% no total / 30,8% no recorte por gênero). O câncer colorretal, que vem crescendo exponencialmente na última década, já é o terceiro mais incidente na população brasileira em geral, com 69.118 registros (9,6% no total).
Segundo o oncologista Carlos Gil, diretor médico da Oncoclínicas&Co. e presidente do Instituto Oncoclínicas, o câncer é uma doença multifatorial e que pode ter diversas causas. Porém, sabe-se que o envelhecimento está diretamente associado a diversos tipos de tumores e, com o aumento da expectativa de vida da população em geral, os casos também tendem a crescer. Fatores ambientais, como estilo de vida, além de algumas mutações genéticas hereditárias em casos mais raros, também influenciam no aparecimento da doença.
“Os avanços em tratamentos e inovações acontecem o tempo todo e hoje temos muito mais opções de drogas e procedimentos menos invasivos, que melhoram a qualidade de vida dos pacientes. Medidas de prevenção precisam ser reforçadas e elas incluem os fatores ambientais, como sedentarismo, redução de tabagismo, obesidade, alimentação e prática de exercícios físicos, e também rastreamento genético. E políticas que promovam exames regulares para detecção precoce de tumores são fundamentais para as chances de sobrevivência das pessoas. O grande desafio é que tudo isso, tanto os tratamentos como exames preventivos, cheguem com equidade às pessoas. Há um desafio médico, mas também social no combate ao câncer”, explica.
Câncer de pulmão volta a liderar ranking global
A pesquisa também mostrou que o câncer de pulmão voltou a liderar o ranking de incidência global. No Brasil, esse tipo de tumor torácico é responsável pelo maior número de óbitos por câncer, mas figura como o quarto mais comum em número de diagnósticos.
Segundo o novo levantamento, os casos de câncer de pulmão correspondem a 2.480.308 em todo o mundo, representando 12,4% no panorama geral da doença. Já no país, ele representa 44.213 novos casos, uma fatia de 7% do total de tumores identificados em 2022.
“Quando observamos o recorte global, que mostra a prevalência do câncer de pulmão entre os diagnósticos, temos também que lembrar que isso se deve a programas mais robustos de vigilância ativa para detecção da doença entre a população tabagista em alguns países economicamente mais desenvolvidos. Há ainda o reflexo dos efeitos de longo-prazo do hábito de fumar entre a geração que chega atualmente à terceira idade e que impactam nas estimativas da OMS. Em países onde a expectativa de vida da população aumenta, a curva tende a se tornar mais acentuada”, aponta Carlos Gil.
Câncer de mama: diagnóstico precoce é fundamental
Os dados da OMS trazem sinais de alerta sobre o câncer de mama, cujo diagnóstico precoce pode significar 95% de chances de cura. Globalmente, ele aparece em segundo entre os mais comuns, somando 2.308.931 dos novos casos detectados em 2022.
Entre as mulheres, ele é o primeiro colocado, sendo responsável por 23,8% de todos os 9.658.480 casos identificados pela análise. Ainda quando avaliado o recorte por gênero, foi também o tipo de tumor que mais matou pessoas do sexo feminino em todo o mundo no período avaliado, respondendo por 669.418 mortes. O motivo pode estar ligado à adesão ao principal método de rastreio da doença: a mamografia. O exame de imagem para identificar o tumor em estágios iniciais em muitos países não é feito na frequência ideal, considerando a recomendação de que seja realizada a cada dois anos, a partir dos 50 anos, segundo a OMS.
“Isso acontece mais em países em desenvolvimento do que em desenvolvidos – um fato cruel que é acertadamente captado pelo estudo GLOBOCAN. E o motivo está diretamente ligado à educação sobre o tema. Acesso a informações com respaldo médico salvam vidas. O baixo investimento em medidas de prevenção e diagnóstico precoce, assim como a menor oferta de tratamentos oportunos e eficazes, pode condenar os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento a anos de atraso nas políticas de combate ao câncer em relação aos países considerados desenvolvidos”, diz a diretor médico da Oncoclínicas.
Os números recém-divulgados pela entidade internacional indicam que no Brasil o câncer de mama respondeu por cerca de 30% (94.728) dos 627.193 novos diagnósticos de câncer registrados em 2022. E esse tipo de tumor foi o que mais matou mulheres, sendo responsável por 22.189 mortes em 2022. “A alta taxa de ocorrência de diagnósticos em estágio mais avançado que ainda ocorre no país e o desafio relacionado à equidade de acesso a tratamentos avançados impulsionam a letalidade”, frisa o especialista.
Países mais pobres terão crescimento acelerado em novos casos até 2050
O levantamento apontou também o cenário de evolução no volume de casos de câncer diagnosticados, chegando à marca de 35 milhões novos casos previstos para o ano 2050 (aumento de 77% em comparação ao volume de 2022), sendo entre os países com os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos esse crescimento mais acentuado. Nações de IDH médio, como o Brasil, terão aumento de cerca de 70% (América Latina e Caribe) em comparação aos registros atuais, enquanto países com maiores índices de pobreza verão esse percentual chegar em torno de 107% (África). As regiões mais ricas do planeta registrarão, por sua vez, aumentos no número de novos casos que variam de 22,5% (Europa) e 43,5% (América do Norte), enquanto os demais continentes ficarão com números entre 59% e 64,5% (Oceania e Ásia, respectivamente).
As estimativas refletem gargalos enfrentados pelos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, como a dificuldade de acesso às políticas públicas que promovem o diagnóstico precoce e os tratamentos. “O que a gente observa é que os serviços podem ser inexistentes, em casos de países muito pobres, ou insuficientes, como é no Brasil. Assim, as pessoas acabam sendo diagnosticadas, muitas vezes, de forma tardia, o que afeta diretamente nas chances de cura e diminui em muito a qualidade de vida das pessoas”, sintetiza Carlos Gil Ferreira.